Em tempo de Copa do Mundo...

... nunca mais eu quis saber de futebol, de mais nada... - 2006
Da série* : “... uma história que você nunca mais esqueceu?” - 2000/2007



Bordado e objeto (poliamida, algodão, arame) sobre travesseiro 
20 cm x 63 cm x 45 cm - Coleção particular
* Série baseada nos depoimentos de adolescentes internados em instituição por infringirem as leis.  

Texto bordado em torno da peça: Quando eu era pequeno me pai me levava sempre pra ver ele jogando no campinho. O sonho do meu pai era ser jogador de futebol... Aí ele morreu com um tiro da polícia, na guerra do morro, tava vindo do trabalho... Nunca mais eu quis saber de futebol, de mais nada. Cresci revoltado, sangue frio, entrei pro crime... Meu pai era tudo pra mim...


Durante 3 anos (2000 a 2003), visitei adolescentes internados em instituição destinada à recuperação de jovens que infringiram as leis.  No início, o que pretendia ser uma pesquisa, passou a caracterizar meses de convivência diária, diálogos, trocas culturais e afetivas.
Experimentando uma proposta inédita e completamente desconhecida por mim, várias obras  surgiram durante este período. Todas com base nas conversas e trocas estabelecidas com os adolescentes. Uma delas é a instalação:  “… uma história que você nunca mais esqueceu?”
Diante de tantas histórias vividas (desde a violência doméstica e a do dia a dia nas ruas; traumas, sentimentos de traição, agressões - e até mesmo alegrias e histórias de amizade e solidariedade...) minha curiosidade era se eles haviam guardado aquela história que nunca mais esqueceram. Depois de muitos encontros estas histórias foram surgindo recuperadas de suas memórias, e a cada dia mais adolescentes tinham interesse em me conhecer e conversar.
Nos trabalhos desta série criei cenas baseadas nas respostas dos jovens do que para eles era impossível esquecer. 
Conheci mais de 100 meninos. E ouvir cada história individualmente me fez perceber o quanto estava sendo importante nossa troca. Naquele lugar, sozinha, entendi que se houvesse uma verdadeira intenção de transformação pelas intuições, estudar cada caso separadamente, cada história de vida, seria a grande oportunidade para que eles pudessem ter suas vidas reconstruídas.
De minha parte entendi que depois de criar vínculos e estar tão presente no cotidiano diário, não poderia ir embora e desaparecer de repente. Decidi então continuar na instituição até que o último adolescente que eu havia conhecido individualmente tivesse sido posto em liberdade. Para que não experimentassem mais uma vez o sentimento de abandono constante em suas vidas. 
Após a realização das obras, já envolvida e inserida naquele contexto junto aos adolescentes e os profissionais que lá trabalhavam, continuei frequentando a instituição desta vez como voluntária e criando propostas inéditas que surgiam de nossas trocas. 
Experimentar este processo na arte e na vida foi inesquecível e a partir dele pretendo dar prosseguimento a proposta de viver a arte como o encontro com o outro, na tentativa de transformar as relações das pessoas diante de universos e questões ainda tão desconhecidos.

Rosana Palazyan, 2004


publicado em 23 junho de 2014